PCC e Comando Vermelho viram parceiros e abrem empresas para “lavarem” R$ 6 bilhões
PCC e Comando Vermelho fecham nova parceria em contrato e abrem empresas para “lavar” R$ 6 bilhões
Publicado em: 12/04/2025 às 06h53As suspeitas sobre uma nova parceria entre o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV) vinham sendo levantadas desde que um dos envolvidos no assassinato do delator do PCC, Vinicius Gritzbach, havia fugido de São Paulo para uma área dominada pelo CV no Rio de Janeiro no fim do não passado. A confirmação veio durante uma operação das forças de segurança fluminenses nesta semana. PCC e CV estão juntos em uma parceria comercial estratégica para a lavagem de bilhões de reais vindos do tráfico e operações ilegais.
A nova aliança está registrada em documento assinado por líderes do PCC e do CV no dia 25 de fevereiro e que já chegou a faccionados em todos os cantos do país. O comunicado diz que as duas organizações criminosas estão “refazendo uma nova aliança pelo bem comum” e destaca que “toda guerra tem início, meio e fim”. Os detalhes do caso foram divulgados pela Polícia Civil do Rio de Janeiro na quinta-feira (10.03).
“Estrategicamente CV e PCC vêm firmando parcerias estratégicas ao longo dos anos, das décadas. Em alguns períodos são completamente rivais e declaram guerra uns contra os outros, e em outros se unem em ações pontuais e por temas de consenso, mas sem um interferir nos negócios do outro”, reforça o delegado da Polícia Federal Marco Smith, que investiga organizações criminosas há pelo menos duas décadas.
Na operação deflagrada nesta semana, a Polícia Civil do Rio de Janeiro identificou que, em apenas um ano, as duas maiores organizações criminosas brasileiras lavaram R$ 6 bilhões do tráfico de drogas e armas, de roubos e outras operações ilegais.
Para isso, usaram um modus operandi que está ficando cada vez mais comum entre criminosos: empresas de fachada – ao menos 22 estão sob investigação há sete meses – e, mais uma vez, o uso de um banco digital fundado pelo PCC há cinco anos. As investigações também voltaram a apontar pessoas que recebiam auxílios do governo federal como operadores de empresas fantasmas com movimentações milionárias.
A operação deflagrada pela Polícia Civil do Rio de Janeiro, com o apoio da Polícia Civil de São Paulo, nesta quinta, foi a maior com ativos bloqueados do crime organizado na história da corporação fluminense. O secretário de Polícia Civil do estado, Felipe Curi, afirmou que a parceria é estratégica e não envolve, em nenhuma circunstância, a disputa por territórios ou nichos do mercado das drogas e armas. “O PCC não pretende atuar nas comunidades do Rio de Janeiro. A aliança é puramente estratégica, voltada para a compra de armamentos e entorpecentes”.
Dados fiscais e bancários serão cruzados, a partir do material apreendido, em nova etapa da investigação para saber quanto dos R$ 6 bilhões bloqueados pela Justiça pertence a cada organização criminosa.
Como funcionava o esquema de lavagem de dinheiro
O esquema passou a chamar a atenção e chegou às forças de segurança no ano passado porque operadores financeiros identificaram depósitos semanais vultosos, muitos que se aproximavam dos R$ 750 mil direcionados sempre às mesmas empresas. Acendeu o alerta dos operadores que recebiam os depósitos porque se tratavam de notas de baixo valor, variando de R$ 5 a R$ 20, e vinham de regiões da Zona Oeste do Rio de Janeiro, em comunidades dominadas pelo CV. Valores assim e em grande volume são característicos da venda de pequenas porções de drogas nas chamadas “biqueiras”.
Uma das 22 empresas usadas para operar o esquema e que recebia esses depósitos tinha sede fictícia em Sã Paulo, base operacional do PCC. Ela está entre as que mais se destacam nas investigações. Deveria atuar na área de perfumaria e cosméticos, mas jamais funcionou no endereço indicado e não há indícios que um dia existiu de fato. A sócia era uma mulher cadastrada para o recebimento de auxílio emergencial, ou seja, que se dizia em condições de vulnerabilidade social. A Polícia ainda busca evidências se o CPF dela foi usado de forma fraudulenta para abertura da empresa ou se ela operou como uma laranja do esquema.
Os investigadores revelaram que somente essa empresa operou cerca de R$ 200 milhões em três meses e os recursos eram pulverizados, repassados a outras empresas, também fantasmas, até chegarem ao banco digital, também conhecido como fintech. A fintech em questão não tem licença do Banco Central para operar e já apareceu em outras investigações do Ministério Público de São Paulo (MPSP) e da Polícia Federal (PF).
“Identificamos, ao longo da investigação, que cerca de R$ 200 milhões foram depositados nessa empresa [a perfumaria]. Ela, no entanto, não existe de fato. Foi configurada como uma empresa de fachada após mandados de busca e apreensão. A suposta sócia está, inclusive, cadastrada em programas de auxílio emergencial por condição de miserabilidade e movimentou cerca de R$ 200 milhões em apenas três meses”, afirmou o delegado Jefferson Ferreira, da Polícia Civil do Rio de Janeiro.
Recursos “lavados” eram sacados em espécie, geravam lucro legal às facções e pagavam fornecedores de drogas e armas A Polícia Civil do Rio de Janeiro também identificou durante as investigações que os recursos circulavam do Brasil para países produtores de drogas na América do Sul, o que reforça a tese do seu uso para pagamento aos fornecedores, principalmente maconha e cocaína, bem como para abastecer o tráfico de armas e munições.
O que não seguia para essas operações voltava como lucro às organizações criminosas, tanto para o PCC quanto para o CV a partir de operações milionárias com saques em dinheiro depois do chamado branqueamento de capitais.
As investigações mapearam que, para dar um ar de legalidade à verba bilionária das organizações criminosas, foram criadas empresas de fachada no setor de transportes, floriculturas e até na área de publicidade.
A Polícia Civil do Rio de Janeiro afirmou nesta semana que o foco de operações como essa é asfixiar financeiramente o crime organizado, atingir sua base logística e chegar ao dinheiro que é usado para compra de armas e drogas. “Esses recursos também financiam as disputas por expansão territorial em comunidades da Zona Oeste do Rio", alerta a corporação.
O Rio de Janeiro enfrenta uma nova e intensa crise na segurança pública com guerra entre facções como o CV e o Terceiro Comando Puro (TCP). Além disso, o estado se vê em meio ao aumento crescente nos índices de criminalidade, como roubos, furtos e avanço de arrastões, principalmente na capital e região metropolitana.
Nesta semana, o STF aprovou, parcialmente, o plano de ação elaborado pelo governo de Cláudio Castro (PL) na ação ficou conhecida como "ADPF das Favelas", mas determinou que as forças de segurança do Rio elaborem uma ação complementar de retomada de territórios controlados por facções e milícias.
De acordo com relatório do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), elaborado a pedido do STF há um ano, 1.659 comunidades estavam sob influência de grupos criminosos no estado — um aumento de quase 17% em quatro anos, comparado às 1.413 áreas identificadas em 2020.
O levantamento indicou que o CV dominava 1.028 comunidades (aumento de 24% desde 2020); o TCP atuava em 294 localidades (crescimento de 23,5%); a facção Amigos dos Amigos (ADA) controlava 55 áreas, mas perdeu 20% de território no período e as milícias permaneciam em 282 comunidades, mantendo o mesmo número de territórios desde 2020.
O PCC não tem atuação sob o estado, mantendo sua base operacional em 25 unidades da federação. As exceções são Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul. O relatório também revelou que, em média, 70 criminosos atuavam em cada localidade dominada no Rio de Janeiro no ano passado.