Quem é Antonieta de Barros, primeira deputada negra que criou o Dia do Professor
Filha de ex-escravos, a educadora foi a exceção em um estado majoritariamente branco e masculino. Com força e sagacidade, transpôs barreiras de gênero, de raça e de classe
Publicado em: 15/10/2021 às 09h36Celebrado nacionalmente em 15 de outubro, o Dia do Professor é mais do que uma data comemorativa; é o resultado da luta de uma mulher, filha de ex-escravos, que acreditava que a educação era o caminho para o futuro. Antonieta de Barros (1901-1952), a primeira mulher negra a ser eleita no país, instituiu o marco para que os educadores passassem a ser vistos como importantes agentes de mudanças na sociedade.
Pela Lei nº 145, de 12 de outubro de 1948, Antonieta criou o Dia do Professor e o feriado escolar em Santa Catarina. Vinte anos depois, em outubro de 1963, o então presidente João Goulart tornou a lei nacional.
História de luta
Para chegar até a Assembleia Legislativa, em 1934, ostentando o grande feito de ser a primeira deputada mulher de Santa Catarina, Antonieta travou uma história de rompimento de barreiras racial, de gênero e de classe.
Natural de Florianópolis, ela nasceu em 11 de junho de 1901, pouco antes do pai falecer. A mãe, Catarina Waltrick, assumiu o desafio de cuidar dela e dos irmãos e usou o ofício de lavadeira para garantir um sustento para a família - na época, Catarina já que era escrava liberta.
Foi em um dos empregos da mãe, na casa do político Vidal Ramos, em Lages (SC), que a paixão de Antonieta pela educação começou. Com a ajuda da família empregadora, a quem os historiadores afirmam que tinham carinho por Antonieta e a mãe, ela foi alfabetizada em uma escola particular em 1906, quando tinha cinco anos. Quatro anos depois foi para a escola pública e aos 16 anos, em 1917, preparava-se para fazer as provas da Escola Normal Catarinense - formação que a daria possibilidade de seguir o sonho de ser professora.
O sonho individual se tornou coletivo quando, antes de se formar, Antonieta decidiu passar o conhecimento obtido para outras pessoas à margem da sociedade. Em maio de 1922, aos 17 anos, ela inaugurou o Curso Particular de Alfabetização Antonieta de Barros, cujo objetivo era preparar alunos para os exames de admissão do chamado Ginásio do Instituto de Educação e da Politécnica, além de alfabetizar adultos. A educadora acreditava que o ensino libertaria as pessoas dos postos de marginalização.
"Educar é ensinar os outros a viver; é iluminar caminhos alheios; é amparar debilitados, transformando-os em fortes; é mostrar as veredas, apontar as escaladas, possibilitando avançar, sem muletas e sem tropeços; é transportar às almas que o Senhor nos confiar à força insuperável da Fé”, frisou em um dos discursos feitos no Congresso.
Nas redações e movimentos políticos
Para ampliar os ideais educacionais pelos quais lutava, Antonieta começou a participar, em 1922, de movimentos políticos, ainda enquanto estudava na Escola Normal, com a atuação na militância Liga do Magistério, na qual se tornou a primeira secretária. Três anos depois, ela passou a participar da formação do Centro Catarinense de Letras (CCL), do qual tornou-se membro da diretoria.
Em 1926, assumiu o posto de escritora e jornalista, tornando-se uma das poucas mulheres que o faziam, principalmente no estado catarinense. A intenção de Antonieta era levar a mais pessoas as mudanças necessárias no Estado, como questões sociais, a necessidade de ações para crescimento educacional e redução do analfabetismo, e as definições dos papéis sexuais. Foi nessa época que ela, com o pseudônimo de Maria da Ilha, fundou o jornal A semana.
Em um artigo publicado em outro veículo, o Jornal República, em julho de 1932, Antonieta fez duras críticas à falta de oportunidades de mulheres continuarem a formação estudantil em faculdades. “Há uma grande lacuna na matéria de ensino: a falta dum ginásio onde a mulher possa conquistar os preparatórios para ingressar no ensino superior. O elemento feminino vê, assim, fechados diante de si, todos os grandes horizontes”, frisou na publicação.
A educadora criticava a gestão de Irineu Bornhausen, que governava o Estado na época, ao afirmar que ele não estava preocupado em tornar a educação acessível a todas as pessoas. Foi para mudar o cenário educacional e de pequeno acesso que Antonieta se candidatou a uma cadeira na Assembleia Legislativa em 1934, pelo Partido Liberal Catarinense. Ela foi a primeira deputada estadual a ser eleita no estado após ter sido concedido o direito de voto às mulheres.
Incansável
De acordo com a doutora em letras Luciene Fontão, Antonieta de Barros “foi uma mulher engajada com as lutas do tempo dela”: na Assembleia, atuou pela melhoria da educação popular e fez parte da Comissão de Educação e Justiça, onde propôs projetos de lei para ampliar a carreira do magistério de Santa Catarina. Na época, foi aprovada a lei para a realização de concursos para o magistério, além de legislações para conceder bolsas de cursos superiores, o que contribuiu para a amplificação da alfabetização e da profissionalização local.
Incansável, a educadora continuava a dar aulas e a escrever nos jornais do estado. Em 1937, reuniu os principais artigos no livro Farrapos de ideias, cujo lucro da primeira edição foi doado para a construção de uma escola para abrigar filhos de pessoas afastadas da sociedade por terem lepra - a maioria internados no leprosário Colônia Santa Tereza.
Reeleita e criticada
Com tantas ações positivas, o eleitorado a elegeu deputada mais uma vez em 1948. No entanto, apesar de ser reconhecida e apreciada por uma parte da população, a postura combativa de Antonieta fez com que ela fosse atacada por diversas personalidades da época, inclusive com falas racistas.
Historiadores afirmam que Antonieta não se abatia com as críticas e permanecia firme nos cargos em que ocupou. Quando possível, ela chegava a responder publicamente aos ataques. Um deles foi Oswaldo Rodrigues Cabral, político, jornalista e professor de história catarinense, que afirmou que as publicações da escritora nos jornais eram “intriga de senzala”.
Na ocasião, Antonieta respondeu o comentário em uma publicação no jornal O Estado e afirmou que era um benefício à população o distanciamento de Oswaldo das salas de aula para realizar outros afazeres, como a política. “Sua Excelência, para a felicidade de todos quantos são arianos - apesar de portador de um diploma de jornalista - não milita no ensino público. Dizemos felicidade porque, à sua Excelência, falta uma das qualidades de professor: não distinguir raças, nem castas, nem classes”, frisou, em maio de 1951.