11 de setembro: volta do Talibã evidencia o fracasso dos EUA na Guerra ao Terrorismo
Vinte anos após atentados, a volta do Talibã ao poder no Afeganistão ascende o medo do país se tornar terreno para novos ataques e para violação de Direitos Humanos
Publicado em: 11/09/2021 às 07h31Após o 11 de setembro de 2001, o mundo nunca mais seria o mesmo. Como consequência do atentado, os Estados Unidos, junto a um grupo de outros países, deram a partida para a chamada Guerra ao Terror. De lá para cá, o mundo assistiu a uma batalha travada entre o Ocidente e o Oriente Médio em uma disputa que parece interminável. Vinte anos após aquela data fatídica, a retirada das tropas norte-americanas do Afeganistão parecia que já tinha passado da hora. Porém, a saída desastrosa das tropas trouxe ao país um cenário de incertezas muito parecido ao que existia no pré-2001.
A volta do Talibã ao poder acende o alerta para a possibilidade de infração aos direitos humanos e também o medo de ataques terroristas. A nova crise humanitária que o país começa a enfrentar, sem ao menos ter se recuperado, também acende o alerta para como o mundo irá lidar com os refugiados e com a xenofobia já tão presente.
Para especialistas, são vários os caminhos possíveis que o país pode trilhar daqui para frente. No cenário otimista, o Talibã tentará assegurar direitos humanos básicos para conseguir a legitimidade do governo. Mas por outro lado, estudiosos temem que essa ideia fique só no papel e que o país sirva de berço para associações terroristas. "Sem dúvida não serão tempos fáceis. Se o Talibã cumprir a palavra que não vai ter vingança contra aqueles que estavam vinculados ao governo dos Estados Unidos e garantir direitos humanos básicos, eles vão conseguir ter uma certa legitimidade e ser incorporados ao fluxo financeiro e mercado", avalia Felipe Cordeiro, coordenador do curso de relações internacionais da Universidade de São Paulo (USP).
"Mas tem um conjunto de cenários menos otimistas. Já há indícios de que essas lideranças têm controle reduzido nas áreas rurais do país e têm relatos de que violações sérias de direitos humanos estão ocorrendo. O regime voltando como era no fim da década de 1990 vai aumentar o isolamento internacional do país o que vai trazer mais problemas para a população com condições econômicas ainda piores”, lamenta.
Segundo o coordenador do curso de relações internacionais da Universidade de Brasília (UnB), Antônio Jorge Ramalho da Rocha, é muito difícil que o Talibã assuma a mesma postura de 20 anos atrás. "Eles hoje têm mais maturidade, mais recursos e mais consciência da necessidade de se apresentar ao mundo como um grupo de poder com o qual se pode dialogar e negociar em termos razoáveis. A maioria dos vizinhos tem interesse na estabilidade que eles podem produzir na região e estará disposta a colaborar, desde que eles não adotem posturas extremistas e absurdas que tenham muita visibilidade", afirma.
São exatamente esses apoios que podem ajudar o país a se reerguer. "É difícil fazer uma projeção. Mas é possível que a China dê apoio ao governo e também o Paquistão, que já é um parceiro, o que facilitaria a reestruturação", avalia Yann Duzert, professor dos MBAs da Fundação Getulio Vargas (FGV) e autor do livro Negociação Internacional.
O grupo tem prometido que garantirá direitos das mulheres e que quem desejar sair do país, e possuir condições legais para isso, poderá ir. No início deste mês, o aeroporto comercial de Cabul voltou a ser reaberto para voos domésticos e para receber ajuda humanitária. Porém, o mestre em relações internacionais pela Universidade Estadual da Paraíba (UEPB) Igor Sabino diz que já há relatos de que violações de direitos humanos estão ocorrendo. "Em termos de direitos humanos, se assemelha bastante quando o Talibã esteve no poder, já tem relatos de mulheres serem estupradas e mortas, minorias religiosas sendo perseguidas. Nesse sentido está sendo um pouco semelhante, apesar do discurso moderador.
Porém, o grupo tem novos desafios que eles não tinham quando estavam no poder pela primeira vez. Eles recebiam financiamento do Paquistão e Arábia Saudita. Hoje, eles estão procurando pela China, Turquia para ver se conseguem esse apoio financeiro, porque a única fonte de renda deles é o tráfico de drogas", explica.
Além disso, Felipe Cordeiro ressalta que a possibilidade de um corredor humanitário também é incerto porque o governo não terá interesse que haja uma saída em massa do país. "Existe o temor de uma drenagem de capital humano que pudesse criar problemas. Eles têm interesses em manter uma imagem de que não é malquisto, porém se eles impedem as pessoas de saírem eles inviabilizam o reconhecimento do governo", avalia.
O medo do terrorismo
Nesses 20 anos que se passaram desde o ataque às Torres Gêmeas, os Estados Unidos gastaram, em média, US$ 8 trilhões de dólares na chamada Guerra ao Terror. A invasão ao Afeganistão, que ocorreu meses depois do atentado, foi motivada pelo Talibã dar suporte à Al-Qaeda. No entanto, as associações combatidas pelo país continuam vivas e fortes. Prova disso é o retorno do Talibã ao poder.
Uma das condições colocadas pelos Estados Unidos para que o país retirasse as tropas do Afeganistão era de que o país não desse abrigo para a Al-Qaeda. No entanto, de acordo com Yann, é muito possível que essa parte do acordo não seja cumprida. "Eles sempre tiveram o Afeganistão como refúgio, e a relação com o Talibã é estratégica", explica. “Apesar do acordo com o governo Trump estabelecer que o grupos terroristas não fizessem ataques a partir do território do Afeganistão, os vínculos históricos são fortes. É difícil imaginar que esses laços vão se romper. Se não tiver um crescimento desses grupos, há uma consolidação”, avalia Felipe Cordeiro.