Pandemia de covid-19 fez o ensino e o papel do professor na escola ser diferentes
Docentes precisaram se reinventar e acumularam funções maiores no preparo das aulas este ano
Publicado em: 15/10/2020 às 06h59A pandemia de covid-19 fez com que professores de todo o país trocassem os quadros e as carteiras escolares pelas telas e pelos aplicativos digitais.
Sete meses após a adoção de medidas de distanciamento social e da interrupção das aulas por causa da emergência sanitária, os professores continuam se reinventando. Nesse período, eles foram obrigados a refazer todas as aulas, passar novos exercícios, escrever apostilas, gravar em vídeo os conteúdos das disciplinas, criar canais próprios em redes sociais, mudar avaliações, fazer busca ativa de alunos e se aproximar das famílias dos estudantes.
Professores de todas as partes do país, tanto da rede pública quanto da privada, relataram à Agência Brasil as diversas mudanças do período e falaram sobre as novas atribuições e papeis dos docentes, em diferentes modalidades da educação básica, vindas com a pandemia e o ensino remoto.
O suporte da mudança foi a internet, mas o episódio não se restringiu a uma revolução digital. Houve uma transformação comportamental dos professores para não perder a conexão com os alunos e manter a aprendizagem.
“A covid-19 antecipou em uns dez ou quinze anos o que iria acontecer em sala de aula”, calcula o professor de geografia, Daniel Rodrigues Silva Luz Neto, que leciona para o ensino de jovens e adultos no Gama, uma das regiões administrativas do Distrito Federal.
Para não perder alunos, ele entrou em contato com todos, adicionou os números dos estudantes no seu WhatsApp, criou grupos por turma, por onde passa áudios e vídeos com aulas e instruções. Seus alunos fazem as tarefas no caderno, tiram foto, mandam de volta para ele corrigir.
“Tivemos que aprender algo que nunca foi desenvolvido ao longo da nossa vida, que foi encarar a tecnologia a curto prazo”, acrescenta Juanice Pereira dos Santos Silva, professora de biologia e ciências da natureza na educação inclusiva, no Centro de Ensino Especial, também no Gama, onde leciona para alunos que tenham transtorno de espectro autista ou deficiência intelectual ou múltipla, desde os 8 anos de idade até a vida adulta.
A professora usa o quintal e a cozinha de casa como cenários das aulas, grava vídeos em movimento nas ruas para ensinar noções de espacialidade e passar conteúdos de suas matérias.
Ensinar os pais
Aprender, em tempo recorde, a usar ferramentas digitais para ensinar foi o primeiro desafio de Juanice Silva. O segundo foi buscar os alunos para a aulas remotas. “No nosso caso, tivemos não apenas que trazer os alunos. Tivemos que trazer os pais”, lembra a professora destacando que a participação dos responsáveis é necessária, em especial, para os alunos que ela leciona. “Tivemos de criar e-mails para os familiares, dar acesso [às plataformas] e treiná-los.”
O trabalho de mobilizar as famílias feito pelos professores da escola de Juanice Silva permite que alunos como Pedro Emanuel Araújo, com síndrome de down, mantenha a rotina de acordar cedo, tomar banho, tomar o café e vestir o uniforme do colégio, como faz questão, para assistir as aulas em vídeo e cumprir a tarefa.
A rotina de Pedro é dividida com o pai que, antecipadamente, verifica os materiais que o filho vai precisar para cada dia da semana e separa na escrivaninha, junto com o notebook.
Segundo a mãe do aluno, Ângela Cristina Moutinho Araújo, em tempos de ensino remoto, o filho melhorou no desempenho de atividades manuais. "Inicialmente, Pedro não sabia fazer os deveres. Com a nossa ajuda [dos pais], ele começou a fazer, hoje tira de letra.”
Uso irreversível
O presidente da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), Luiz Miguel Martins Garcia, avalia que ainda está em tempo de se adotar uma política de articulação nacional de ação emergencial para garantir as atividades escolares em meio à covid-19, atender quem deixou de aprender, capacitar professores e preparar a acolhida dos alunos quando a pandemia passar.
Ele pondera que, mais do que possível, a ação é necessária, uma vez que o uso de tecnologias para lecionar “é irreversível”.
Já a presidente do Conselho Nacional de Educação (CNE), Maria Helena Guimarães, afirma que há recursos públicos disponíveis para equipar escolas e apoiar professores e alunos.
Segundo ela, cerca de R$ 30 bilhões do Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust), criado em 2000, podem ser usados com essa finalidade.
Para Maria Helena Guimarães, a pandemia fez com que a educação básica vivesse um novo momento, não só no Brasil. Ela acredita que haverá aprofundamento das mudanças após o retorno do funcionamento dos colégios e aposta na adoção do ensino híbrido, no incremento de atividades complementares nas escolas e de ensino por projetos e em mais atividade de pesquisa para os alunos.
Ela alerta, no entanto, que há risco de “acirramento das desigualdades” entre as escolas da rede privada e da rede pública, e que os alunos de colégios particulares devem sair na frente.