Alergias: um mal sem fronteiras, alerta OMS
A OMS estima que 30% da população mundial sofra com alguma reação alérgica, índice que deverá chegar a 50% até o fim do século. Entenda como o problema ocorre e conheça histórias de quem convive com ele
Publicado em: 03/06/2019 às 05h17O sistema imunológico é responsável por proteger o organismo de invasores externos, como vírus e bactérias. Ele funciona como o mecanismo de defesa do corpo contra as incontáveis substâncias estranhas presentes no ar que respiramos, nos alimentos que ingerimos e nos objetos em que tocamos. Mas, às vezes, ele reage de forma exagerada a alguma substância inofensiva com a qual temos contato: o alérgeno. Esse processo é a popular alergia.
Uma pessoa pode passar a vida tendo contato com alguma substância e se alimentando de alguma comida e nunca ter nenhuma reação, até um dia ter. A comunidade científica ainda não sabe explicar o aparecimento tardio de uma alergia. O causador da reação alérgica, no entanto, não é o microrganismo em si, mas os anticorpos que o nosso próprio corpo cria para se defender.
“É um erro de interpretação do sistema imunológico a elementos naturais”, resume Ricardo Souza Queiroz, alergista e imunologista do Grupo São Cristóvão Saúde. As reações de defesa podem ser das mais diversas: coceira, manchas, descamações e, no pior e mais raro dos casos, um choque anafilático, que pode levar à morte. Na maioria das vezes, a alergia atrapalha muito a qualidade de vida dos pacientes.
Segundo o médico, a alergia é uma doença geneticamente transmitida com codominância entre pai e mãe. Se ambos forem alérgico, há uma chance de 70% de o filho ser também. Se a reação ao alérgeno for rápida, é mais fácil diagnosticar. “O problema maior são as que demoram a aparecer a reação, aí precisamos fazer uma triagem, investigar os elementos rotineiros, descobrir por exclusão. É importante saber se houve uma mudança de hábito, de dieta, se o paciente usou um cosmético diferente”, detalha.
Um problema mundial
De acordo com a Organização Mundial da Saúde, 30% da população têm alguma alergia. Ainda segundo ela, até o fim do século, metade da humanidade sofrerá de algum tipo de alergia. Alguns estudos corroboram o aumento, especialmente, em se tratando das alergias alimentares. Uma pesquisa feita pela King’s College London e publicada no ano passado registrou um aumento de 7% na incidência de alergias alimentares em crianças no Reino Unido e 9% na Austrália, por exemplo.
Documento desenvolvido pela Associação Brasileira de Alergia e Imunologia (Asbai) e pela Sociedade Brasileira de Pediatria mostra que os dados sobre prevalência de alergia alimentar no Brasil são escassos e limitados a grupos populacionais, o que dificulta uma avaliação mais próxima da realidade. Mas a incidência de alergia alimentar no país é mais comum em crianças e a sua prevalência, que parece ter aumentado nas últimas décadas em todo o mundo, é de aproximadamente 6% em menores de 3 anos e de 3,5% em adultos.
A Revista ouviu especialistas e conversou com pessoas que sofrem com os processos alérgicos.
A histamina no corpo
Em resposta ao alérgeno, o sistema imunológico libera várias substâncias, principalmente a histamina, que dilatam os vasos sanguíneos. Elas também aumentam a permeabilidade dos vasos, permitindo o vazamento de líquido para fora deles, o que causa inchaço no corpo, inclusive da glote, dificultando e até impedindo a respiração. A vasodilatação também causa pressão baixa, o que dificulta a chegada de oxigênios aos órgãos e sobrecarrega o coração, podendo causar uma parada cardíaca.
Dieta para mãe e filha
Quando a primeira filha da professora Luisa Maria Ferreira, 29 anos, nasceu, a mãe não precisou fazer nenhuma restrição alimentar. Pelo menos em um primeiro momento. Com poucos dias de vida, porém, Bia, hoje com 2 anos, teve uma assadura. Luísa e a família acreditaram que fosse apenas uma reação à fralda, embora estivesse usando a mesma marca de sempre e trocasse com regularidade. Aconselhada pela nutricionista a tirar o leite da própria dieta para evitar cólicas na filha que amamentava, Luísa se adaptou a uma nova alimentação e o episódio da fralda nunca mais se repetiu.
Quando a professora voltou, aos poucos, a consumir leite e derivados, notou um pouco de sangue nas fezes da garota. “Então, fiz o teste: cortei o leite de novo, e não houve mais sangramento”, relembra. Após uma consulta médica, ficou diagnosticado que Bia tinha alergia à proteína do leite.
Depois de um ano e meio amamentando e sem comer nada com leite, Luisa voltou, aos poucos, à dieta antiga, sem restrições. “Foi uma recomendação médica e eu fiquei tranquila, porque ela já mamava pouco, comia bem”, conta. Deu certo. A filha não teve mais nenhuma reação. “Foi um alívio. Eu tive que me virar nos 30. O queijo de búfala me satisfazia bem no dia a dia. O mais difícil era ir a restaurantes.”
Ela tem certeza de que chegou a comer fora de casa um alimento feito com manteiga. “Bia teve uma cólica muito forte. Os restaurantes não eram tão preparados. Eu tinha que explicar e verificar”, conta. Com o tempo, foi descobrindo lugares que não usavam leite. A nutricionista dela também a ajudou muito ensinando-a a fazer substituições. “O leite de coco, eu mesma fazia, congelava e usava em vitaminas”, orgulha-se.
O segundo passo era reintroduzir o leite de vaca na alimentação direta de Bia — e não só por meio do leite materno. Primeiro, ofereceram alimentos assados com o ingrediente, como pão de queijo, bolo feito com manteiga. Depois, incluíram também os queijos, um leite hipoalergênico e, recentemente, um leite em pó comum. Foi um caso de sucesso. A alergia passou.
Entenda a diferença
Muita gente confunde intolerância à lactose com alergia à proteína do leite. A primeira é mais comum quando em adultos e idosos. A segunda, em crianças. O gastroenterologista Bernardo Martins explica que a intolerância à lactose é uma condição que a maioria dos brasileiros vai ter.
“O leite possui alguns açúcares, e o mais comum deles é a lactose. Precisamos quebrá-lo para absorvê-lo e fazer a digestão. Mas, para quebrá-lo, precisamos da lactase, cuja capacidade de produzir diminui com a idade. Sem a lactase, a lactose não vai ser absorvida e vai causar desconforto abdominal, diarreia, constipação. Isso é a intolerância”, esclarece. Portanto, os efeitos da intolerância são causados pela própria lactose.
No caso da alergia à proteína do leite, os efeitos são causados pelo próprio corpo. “A proteína é um dos componentes do leite, que é uma união de vários aminoácidos. Quando a gente quebra a proteína para digerir os aminoácidos, uma porção deles fica exposto e gera uma resposta do sistema imunológico, que pode ser rápida, nas primeiras duas horas, ou tardia, alguns dias depois da ingestão, ou ainda mista”, diferencia o gastroenterologista.