Santa Casa de Campo Grande pode perder prédio do Oswaldo Cruz por abandono
Promotoria pede na Justiça reforma do centenário edifício em até um ano ou desapropriação
Publicado em: 26/11/2021 às 05h59O Ministério Público de Mato Grosso do Sul (MPMS) ajuizou nesta semana ação civil pública contra a Santa Casa de Campo Grande e a prefeitura da Capital em que pede ao Poder Judiciário que mande o hospital restaurar o quase centenário edifício do Colégio Oswaldo Cruz, localizado no centro da cidade e tombado pelo patrimônio histórico.
O edifício, um dos mais relevantes para a representação do conjunto arquitetônico campo-grandense do início do século passado, sofre com o abandono desde 2015, quando a posse voltou à Santa Casa.
Nesse período, tornou-se abrigo de moradores de rua e usuários de drogas. Na ação, o Ministério Público pede a execução das obras de restauração no prazo de até um ano, se isso não for feito, demanda ao Poder Judiciário que desaproprie o edifício.
Ao município, a Promotoria de Justiça pede que faça valer o seu papel de fiscalizador e guardião do patrimônio público, tomando as providências necessárias, como até mesmo restaurar o edifício a suas expensas.
A ação tem origem em inquérito civil em que a Santa Casa colocou na prefeitura a culpa por não ter restaurado o colégio. A constatação da necessidade de restauração do edifício que pertence ao patrimônio histórico de Campo Grande está em relatório da Secretaria Municipal de Cultura e Turismo (Sectur), feito em 2017. De lá para cá, a situação só se agravou.
DESCASO
Entre os problemas apontados pela vistoria da Sectur e do Ministério Público estão: cobertura da edificação com telhas quebradas; danificação de rufos ou inexistência deles; perda das telhas dos beirais; presença de cupins; e apodrecimento do madeiramento estrutural.
“O estado de conservação era precário e demandava projeto emergencial de cobertura”, destacou o promotor de Justiça do Meio Ambiente e Urbanismo, Luiz Freitas de Almeida. O promotor ainda descreve o abandono do edifício, que teve todo o seu forro consumido pelos cupins.
“Tal situação demonstra absoluto descaso, visto que o ataque de térmitas [cupins] demonstra ausência de cuidado, especialmente pela falta de aplicação do veneno adequado”, descreveu o promotor no texto.
No processo, o Ministério Público apresenta não somente o resultado da vistoria da Sectur, mas também a avaliação feita pelo Corpo de Bombeiros, que apresenta uma situação que o promotor descreve como “catastrófica”. “O que comprova cabalmente o descaso e a omissão dos proprietários do imóvel, o primeiro requerido a Associação Beneficente de Campo Grande (Santa Casa)".
"Esse descaso contempla igualmente o Município de Campo Grande, visto que, por dever legal, tem a obrigação de providenciar a execução dos serviços necessários ou providenciar a desapropriação do bem em caso de impossibilidade financeira do proprietário de fazê-lo”, afirmou o promotor no pedido.
O Ministério Público ressalta que há obras de restauro emergencial previstas, inclusive, ontem o Correio do Estado flagrou trabalho sendo executado no local. O promotor, contudo, afirma que as obras foram feitas, a princípio, sem autorização administrativa e que só depois houve a emissão de uma Guia de Diretrizes Urbanísticas (GDU), expedida pela Agência Municipal de Planejamento Urbano (Planurb), para a execução.
SEM COMPROMISSO
Conforme a ação civil pública, a Santa Casa alega que a reforma do imóvel, em maio deste ano, estava orçada em R$ 5,8 milhões e que está sendo custeada por valores provenientes de precatórios liquidados em ação judicial.
“Essa justificativa não prospera”, comentou o promotor autor da ação, alegando que havia a previsão de renegociação dos prazos, desde que o motivo fosse devidamente fundamentado.
“Isso demonstra que a Associação Beneficente de Campo Grande, proprietária do imóvel, não quer assumir compromisso, tampouco responsabilidade, com prazos e obrigações nas obras de restauração do imóvel tombado”, afirmou o promotor.
CONFLITOS
A justificativa da Santa Casa, de que não tem dinheiro para concluir a reforma, entra em contradição com a justificativa oferecida pelo município no inquérito civil.
“Já recebeu até o momento [a Santa Casa] mais de R$ 3 milhões do município, em decorrência de condenação nas ações judiciais, e ainda possui valores por receber”, alegou o promotor.
As quantias decorrem do valor do aluguel devido pelo município e dos lucros cessantes decorrentes de sua ocupação. Durante o período de intervenção da Santa Casa, que encerrou-se em 2013, o Colégio Oswaldo Cruz abrigava uma escola municipal. A posse do colégio pela prefeitura durou 10 anos, de 2005 a 2015.
O promotor ainda ressalta que a Santa Casa não precisa pagar Imposto Territorial e Predial Urbano (IPTU), incentivo fiscal para manter o imóvel preservado, o que não ocorreu.
HISTÓRICO
O Colégio Oswaldo Cruz começou a ser levantado em 1916 e teve a obra concluída em 1919. O edifício, inicialmente, foi construído para abrigar um estabelecimento comercial e, em 1929, passou a ser voltado à educação, recebendo o nome do médico sanitarista falecido em 1917.
Em 1942, o colégio foi adquirido pelo advogado Luiz Alexandre de Oliveira. Solteiro e sem herdeiros, ele morreu na década de 1990 e destinou à Associação Beneficente de Campo Grande, da qual era associado, o edifício do colégio. Em 1.972 o colégio foi comprado pelo professor e ex-padre Adair José de Aguiar, que deppois vendeu ao professor Alcídio Pimentel, que junto com o filho Jaime Pimentel geriram o colégio. O terreno adjacente, à mesma época, foi doado à Loja Maçônica Grande Oriente Maracaju.