O que o Brasil pode ganhar ou perder com resultado das eleições nos EUA
Embora não resolvam gargalos históricos entre EUA e Brasil, como a barreira de 140% imposta à importação de açúcar brasileiro, empresários acreditam que acordos podem aumentar o fluxo de negócios
Publicado em: 20/10/2020 às 17h45A chegada ao poder de Jair Bolsonaro em janeiro de 2019 marcou um ponto de inflexão fundamental na política externa do Brasil: pela primeira vez desde a redemocratização, o país escolhia ter como aliado prioritário e preferencial os Estados Unidos.
Bolsonaro e Donald Trump partilham o posicionamento ideológico de direita, o conservadorismo nos costumes e o estilo populista e online de fazer política.
Mas a gestão Bolsonaro defende que a aproximação de agendas dos países não é resultado apenas da simpatia mútua entre seus mandatários, mas o reconhecimento de que a relação até então morna com os americanos representava uma oportunidade desperdiçada de aumentar o fluxo de negócios bilaterais e a influência política brasileira na América Latina.
"Qualquer país no mundo que queira ser próspero tem que ter uma relação privilegiada com os Estados Unidos", definiu o então secretário especial de comércio exterior Marcos Troyjo, em conversa com investidores americanos e brasileiros em Washington D.C. no fim de 2019.
Dado o investimento feito pelo Brasil na "relação privilegiada", o resultado da atual disputa entre Trump e o democrata Joe Biden é visto como crucial para o futuro da relação entre os países e para o sucesso de ao menos parte das apostas feitas pela gestão Bolsonaro. O ocupante da Casa Branca nos próximos quatro anos terá papel fundamental em determinar o avanço de um acordo de livre comércio dos países, a entrada do Brasil na OCDE e o papel geopolítico dos brasileiros na América Latina.
Acordo de Livre Comércio
Desde 2009, a China é o maior parceiro comercial brasileiro. De lá pra cá, os americanos têm perdido espaço nesse campo. E se tornou um consenso entre empresários americanos e brasileiros que a relação comercial ficará estagnada no atual patamar se os governos de ambos os países não se moverem para retirar barreiras — tarifárias e não-tarifárias — das negociações.
A chegada de Bolsonaro ao poder, no entanto, mostrou que havia vontade política de mudar a situação. "O Brasil entrou em campo", anunciou em meados do ano passado o Ministro da Economia, Paulo Guedes, empregando metáfora futebolística para se referir à possibilidade um acordo de livre comércio entre o país e os EUA.
Na ocasião, o secretário de comércio de Trump, Wilbur Ross, visitava Brasília. Da Casa Branca, Trump deu força ao entusiasmo: "Nós vamos trabalhar em um acordo de livre comércio com o Brasil. O Brasil é um grande parceiro comercial. Eles nos cobram muitas tarifas, mas, tirando isso, nós amamos essa relação."
Mais de um ano após as falas, Brasil e EUA fecharam essa semana o que tem sido chamado na imprensa americana de "mini acordo comercial". O pacote está muito longe da ambição de ser um tratado de livre comércio.
Os termos do acordo entre Itamaraty, Ministério da Economia e o Representante Comercial dos EUA (USTR, na sigla em inglês) preveem abolição de algumas barreiras não-tarifárias no comércio bilateral: a simplificação ou extinção de procedimentos burocráticos, conhecida no jargão empresarial como facilitação de comércio, a adoção de boas práticas regulatórias, que proíbem, por exemplo, que agências reguladoras de cada país mudem regras sobre produtos sem que exportadores do outro país possam se manifestar previamente, e a adoção de medidas anticorrupção.
Embora não resolvam gargalos históricos e importantes na relação comercial entre EUA e Brasil, como a barreira de 140% imposta pelos americanos à importação de açúcar brasileiro, os empresários acreditam que os acordos podem aumentar o fluxo de negócios entre os dois países — que em 2020 sofreu uma queda de mais de 25%, puxada pela pandemia de coronavírus.
Em maio desse ano, em iniciativa inédita, mais de 30 organizações empresariais dos dois países assinaram uma carta conjunta cobrando celeridade das autoridades brasileira e americana para firmar justamente o pacto recém-anunciado.
"Queremos que essa agenda do comércio entre os dois países seja vista como algo suprapartidário, que qualquer governo, de qualquer um dos países, possa levar adiante, porque é do interesse dos empresários dos dois lados", afirmou Carlos Eduardo Abiajodi, diretor de desenvolvimento da Confederação Nacional da Indústria (CNI).
A preocupação dos setores produtivos era de que o processo eleitoral americano pudesse colocar a perder quase 24 meses de negociações intensas. O documento final foi assinado a 15 dias do dia da eleição.
"O acordo é muito importante porque, se Trump vencer, já retomamos as negociações de um ponto mais avançado. Se Biden vencer, temos um patamar mínimo estabelecido para seguir. Os americanos são pragmáticos e reconhecem a importância das relações comerciais com o Brasil", avalia Abrão Árabe Neto, vice-presidente-executivo da Câmara Americana de Comércio para o Brasil (Amcham Brasil).