Saída de Sergio Moro deflagra uma crise no governo e abala o país
Ao deixar o Ministério da Justiça, Moro acusa Bolsonaro de intenções políticas na troca do comando da Polícia Federal e de apreensão com inquéritos no STF. Presidente nega pedido de blindagem e diz que ex-juiz queria garantia de indicação ao STF
Publicado em: 25/04/2020 às 08h04O governo do presidente Jair Bolsonaro sofreu, ontem, a sua baixa mais significativa desde a posse no ano passado. Na maior crise da gestão até agora, Sergio Moro deixou o Ministério da Justiça e Segurança Pública, contrariado com a demissão do então diretor-geral da Polícia Federal, Maurício Valeixo. E o ex-juiz saiu atirando farpas reais.
O personagem do poder Executivo que simbolizava o combate à corrupção trouxe a público graves acusações contra o chefe do Executivo federal. As declarações já resultam em consequências políticas e jurídicas, que abalam as estruturas do poder. Uma crise deflagrada num momento em que o país está abalado com a pandemia do coronavírus.
Sergio Moro acusou Bolsonaro de tentar uma “interferência política” no Departamento de Polícia Federal (DPF) e disse que esse seria o motivo da exoneração de Maurício Valeixo. “Ontem (quinta-feira), conversei com o presidente e houve essa insistência (de mudança do comando da PF). Eu disse que seria uma interferência política, e ele disse que seria mesmo”, afirmou. O ex-juiz da Operação Lava-Jato contou, ainda, que o chefe do Planalto manifestou o desejo de ter um diretor-geral com quem pudesse manter contato pessoal e conseguir acesso a relatórios de inteligência que correm sob sigilo. O ex-ministro disse que não poderia compactuar com tal medida.
Dentro da corporação, a informação é que a troca está ligada ao desconforto em relação a diligências que apuram uma rede de criação e disseminação de fake news contra desafetos do governo. As provas aproximam o caso do vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), filho do presidente, com o chamado gabinete do ódio, que utiliza ferramentas para disparar mensagens em massa contra alvos pré-selecionados que criticam as ações do Executivo. Entre os quais, o STF e o Congresso Nacional. O deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) também estaria envolvido em fake news.
De acordo com Moro, Bolsonaro tem preocupação com inquéritos em curso no Supremo Tribunal Federal (STF) e que a troca na PF também seria oportuna por esse motivo. Um desses inquéritos investiga grupos que convocaram manifestações pró-intervenção militar e pediram a volta do AI-5. Bolsonaro não é alvo das diligências, apesar de ter participado de um dos atos, realizado em Brasília. No entanto, deputados bolsonaristas estão na mira e, por conta disso, a apuração está no âmbito do STF.
Desavenças existentes desde 2019
A crise entre Bolsonaro e Moro não é nova. Em agosto do ano passado, o presidente se articulou para trocar o superintende da PF no Rio de Janeiro. Na ocasião, o então ministro se opôs à ideia, e dirigentes da corporação ameaçaram entregar os cargos. Nos bastidores, falava-se que por trás das intenções do presidente estaria uma tentativa de proteger seu filho, o senador Flávio Bolsonaro, alvo de uma investigação pelo Ministério Público por suspeita de liderar um esquema de rachadinha, em que receberia parte dos salários dos funcionários de seu gabinete na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj). Diante das reações, o chefe do Executivo recuou por duas semanas, mas a troca ocorreu após isso.
No mesmo mês, Bolsonaro falou em trocar o comando da PF, mas recuou. Em janeiro deste ano, afirmou que poderia recriar o Ministério da Segurança Pública. A medida retiraria poderes de Moro. Ele poderia, até mesmo, perder o poder sobre a PF, já que a corporação poderia ficar em uma pasta que não seria controlada por ele. O ex-deputado Alberto Fraga era cotado para assumir o novo ministério e chegou a se reunir com o presidente, algo que abalou de vez a relação entre Moro e o chefe do Executivo.